Quem nunca ouviu contar um testemunho de dificuldade ou privação
financeira que tivesse sido solucionado por Deus? Não sei há quanto tempo essa
prática foi introduzida na liturgia do culto evangélico, pois desde a minha
conversão, há mais de vinte anos, vejo que tem sido praticado comumente.
O último testemunho desses que ouvi tem alguns dias e foi
dado por um pastor amigo meu. Na ocasião referida na história, contou, era
recém-casado e estava sem dinheiro. Assim, combinou com a esposa de dormirem
até mais tarde na tentativa de “escaparem” do café da manhã. Deus, em sua fidelidade, enviou um irmão que
providenciou, uma cesta básica pela manhã e ajuda financeira.
Que Deus é fiel naquilo que promete, não temos dúvidas; que
Ele faz milagres, isso sabemos. Mas esses testemunhos são a prova de que há algo
muito errado no modelo de Igreja que nós temos sustentado. A Igreja coleciona
acertos em várias atividades, mas há aspectos do modelo de igreja tal qual se
vê hoje no Brasil que estão falidos à luz da Bíblia. Desse modo, é uma vergonha
para nós que testemunhos assim sejam dados sistematicamente com o intuito de
engrandecer o nome de Deus. Em algum momento da trajetória da Igreja fomos
condicionados a certos desvios (que eram a exceção) que nos levaram para muito longe
do alvo (se tornaram a regra). Eu explico.
Primeiro, uma olhada na maneira como a igreja em Jerusalém
conduzia questões semelhantes revela que jamais houve entre aqueles cristãos
testemunhos assim. Havia pobreza? Sim, havia muita pobreza. No entanto, os
irmãos reuniam-se a ajudavam-se mutuamente de modo a não permitirem que alguém
sofresse privações. Foi neste contexto e com essa finalidade que o quadro de
diáconos foi criado (Atos 6). Deus age por meio da ação da Igreja, não
exclusivamente por meios sobrenaturais.
Testemunhos como o do meu amigo pastor jamais seriam ouvidos
em Jerusalém. Não só a igreja local estava envolvida no socorro aos
necessitados, mas igrejas de regiões distantes também se mobilizavam para o
auxílio aos pobres de Jerusalém. “Porque pareceu bem à macedônia e à Acaia
fazerem uma coleta para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém” (Romanos 15.26). Seria vergonhoso e impensável
alguém ter de dormir até mais tarde por falta de café da manhã, pois eles se
ajudavam mutuamente e usavam bem os recursos trazidos pelos outros cristãos.
Esse quadro nos leva a um segundo ponto. Paulo orientou a
que informássemos aos santos as necessidades que sofremos. Ele escreveu: “Comunicai
com os santos nas suas necessidades” (Romanos
12.13). Que igreja está preparada e disposta a socorrer membros em suas
necessidades? Não faz parte dos planos e dos programas normais das igrejas o
socorro aos seus membros, digo socorro financeiro ao menos. A atenção maior tem
sido dada e os recursos têm sido drenados para programas de expansão que não
contemplam os próprios membros, antes, a divulgação do Evangelho. Penso ser um
equívoco metodológico substituir o nosso testemunho pessoal diário, nas
atividades comuns (nos âmbitos profissional, educacional e social) por
programas caros que envolvem a minoria e não reúnem o máximo potencial humano
da igreja, que a bem da verdade fica sentada nos bancos almofadados à espera do
culto espetáculo. Em outras palavras, é mais frutífero (e bíblico) gerar cristãos
que deem bons testemunhos nas suas atividades diárias, que sacar dinheiro de
muitos para que poucos façam “a obra”.
Diante da
confissão da necessidade de um irmão, o mecanismo padrão é “orar” e esperar que
Deus dê a vitória ou faça “o tal do milagre”, que na minha modesta opinião
acontece mais por pura misericórdia que por qualquer outro motivo. Deus não
precisaria fazer milagre algum se nós mesmos praticássemos o que a Palavra diz
para ser praticado. Se Deus tem feito milagres assim, é porque nós temos sido negligentes
e egoístas até ao limite. Se esperássemos o socorro vindo “da terra”, muitos de
nós já teríamos ido para o limbo.
Um modo novo de
livrar-se dos “pobres necessitados” é acusá-los de falta de fé. Pessoalmente
ouvi um pastor dizer que para resolver uma situação de dívida, o membro deveria
fazer “um desafio de fé”, que nada mais é que aquelas famosas extorsões em nome
de Deus. O texto de Provérbios 3.28 é claro, mas parece bem esquecido: “Não
digas ao teu próximo: Vai, e volta amanhã que to darei, se já o tens contigo”.
E o que diríamos de Tiago 2.14-17, que fala das “pessoas de fé” que não movem
um dedo em favor do próximo?
E, finalmente, quero insistir no “clássico” texto de
Malaquias 3.10, que diz: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa...”
(Ênfase acrescentada). O que fazer com essa segunda frase do versículo? A frase
condena os administradores das igrejas de modo geral por uma vergonhosa e
flagrante omissão. À bem da verdade um roubo flagrante, pois se o membro que
não traz o seu dízimo “rouba ao Senhor”, consequentemente a igreja que não
cumpre o mesmo texto aponta para si o mesmo dedo acusador. Quando o texto diz “para
que...”, o profeta-autor está indicando a finalidade, o uso devido a que os
recursos dos dízimos devem ser destinados. A prioridade é o sustendo das
necessidades locais dos membros, nada mais que isso. Enquanto houver um único
membro padecendo, as atenções devem ser dadas a ele. Que adianta ganhar o mundo
e perder a alma sentada ao lado?
Se as nossas igrejas cumprissem esse mandamento de
Malaquias, jamais um testemunho como o mencionado acima poderia ser dado por
qualquer um de nós. Nisso ficamos longe, muito longe, de todos aqueles a quem
chamamos de hereges, como os maçons, os kardecistas, além de tantas outras
religiões e organizações civis que cumprem facilmente o socorro aos membros de
suas organizações. Alguém dirá que eles não têm fé em Jesus para serem salvos,
e eu evocaria Tiago para dizer que “também a fé, se não tiver as obras, é morta
em si mesma” (Tg 2.17).
Na postagem anterior falei das receitas anuais das igrejas e da revolução que poderíamos fazer se
levássemos a sério o que a Bíblia ensina sobre o uso dos recursos que reúne. A
nossa “sorte” é que hoje não há alguém para cobrar isso de nós. E podemos nos
desculpar dizendo que “isso sempre foi assim”; por enquanto. O que não dá para
dizer é que o nosso ativismo é abençoado por Deus quando a Bíblia diz o
contrário: “Portanto, aquele que sabe
que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4.17).