quinta-feira, 31 de outubro de 2019

LENDO O ANTIGO TESTAMENTO COMO CRISTÃOS


O breve texto a seguir nasceu de uma reação feita por uma leitora a respeito de um ensaio que escrevi, onde apresentei argumentos contra as afirmações que um pastor fez sobre Israel. A discussão era completamente dentro do campo das ciências sociais, não da Teologia. A leitora, por sua vez, cobrou de mim bases bíblicas para a discussão (o que não era o caso), e então eu me dispus a responder os pontos que ela apresentou.
Aqui, reproduzo uma expansão da minha resposta a ela, por entender que ainda são questões candentes para muitos e muitos cristãos hoje.
Em primeiro lugar, pessoalmente, eu penso que somente o Senhor pode dar/trazer a solução para o conflito Israel-Palestina (IP) e para os conflitos no Oriente Médio que envolvem o islã também. No entanto, como cristão e como Igreja, entendo que todos somos ordenados por Deus a trabalhar pela paz de todos os povos, indistintamente (é imperativo o cristão viver em paz com todos [Hb 12.14], ser pacificador a fim de ser chamado filho de Deus [Mt 5.9] e amar os inimigos [Mt 5.43-44]). Tomar partidos, lados, posicionamentos ideológicos ou nacionalistas não é a vocação da Igreja.
A leitora cobrou posição sobre as promessas de Deus em relação a Israel, afirmando que as mesmas são eternas e irrevogáveis. Ela reafirmou o seu entendimento de que a terra é do povo de Israel. A isso eu respondo que irá depender de como lemos as Escrituras. Podemos ler o que está no Antigo Testamento e permanecermos naquele ambiente, usando interpretações judaicas (e até sionistas, o que penso ser pior). Mas podemos ler o Antigo Testamento como cristãos, com as “lentes” do Novo Testamento, dadas para nós pelos autores que escreveram essa parte da Bíblia. Penso que devemos nos apoiar no que os autores inspirados por Deus escreveram. E no Novo Testamento, leio em Hebreus 11.8-9 que o recebedor da tal promessa “irrevogável”, o patriarca Abraão (quem mais que ele deveria tomar posse da terra?!) peregrinou por ela como se fosse estrangeiro! Ele não considerou a terra material, geográfica, com apego material indisputável, de onde não deveria arredar o pé. Sabemos que as coisas de Deus se dão e acontecem pela fé e já eram assim desde Abraão, o pai da fé. Ele entendeu isso, mas cristãos hoje não compreendem.
Aprendo com essa passagem que as promessas de Deus são irrevogáveis, sim, mas o contexto e as condições de recebimento dessas promessas precisam ser compreendidos e aprofundados. Deus fez pactos com Abraão e com Davi e ambos encontram cumprimento na pessoa de Jesus, por isso são eternos! Assim é que Paulo (vamos duvidar dele, um judeu chamado por Cristo?), ao escrever Gálatas 3.16, nos ensinou que a promessa de posse da terra a ser dada “ao seu descendente”, que a leitora chamou irrevogável, não encontrou cumprimento no povo judeu coletivamente, mas novamente em Jesus! O texto diz: “Não aos descendentes, como se falando de muitos, mas em um só, que é Jesus”. Isso confirma o que estou argumentando.
Do mesmo modo acontece com o outro pacto eterno, de que não faltaria sucessor no trono de Davi. Aprendemos com Pedro (seria ele ignorante a esse respeito?) que a “promessa irrevogável” de sucessor no trono de Israel também encontra cumprimento na pessoa de Jesus. Diz Atos 2.29-35, bem claro:

“Irmãos, posso dizer-lhes com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o dia de hoje. Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe prometera sob juramento que colocaria um dos seus descendentes em seu trono. Prevendo isso, falou da ressurreição do Cristo, que não foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decomposição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato. Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora veem e ouvem. Pois Davi não subiu ao céu, mas ele mesmo declarou: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos como estrado para os teus pés’.” (ênfases acrescentadas)

Quando os hebreus saíram do Egito, Deus prometeu a ocupação da terra aos judeus. Mas o Salmo 24 diz que a terra toda é do Senhor. Por isso, Êxodo 22.21-23 diz para não maltratar o estrangeiro. Árabes e palestinos são estrangeiros? Se maltratassem haveria punição. Da terra de Deus, os povos devem retirar o seu sustento, porque ela é do Senhor (Salmo 24.1). Não se pode vender nem comprar a terra, diz o Levítico 25.23 (se tomarmos esse texto rigorosamente, qual a posição adotar?).
Outra questão levantada (não pela leitora, mas por outro leitor), é que Isaías 66.8 se cumpriu em 14 de maio de 1948, quando David Bem Guryon declarou a independência do Estado de Israel. O texto diz: “Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos” (fui informado por um conhecido que essa ideia foi defendida na Revista Jovens 2º Trimestre 2015. Rio de Janeiro: CPAD. Tema: Jesus e o seu tempo).
A primeira lição de interpretação de textos (hermenêutica) é a consideração dos contextos imediato e remoto. Dizer que a assembleia que declarou o início do moderno Estado de Israel fez cumprir a profecia de Isaias é algo bastante reducionista. Se o autor da revista ou qualquer leitor voltar apenas um versículo, lerá o seguinte: “Antes de entrar em trabalho de parto, ela dá à luz; antes de lhe sobrevirem as dores, ela ganha um menino.” Na tradição cristã, quem é “o menino”, Jesus ou um país que surgiu no século XX? Veja também o contexto remoto em Isaias 9.3-6 em que fala do surgimento de uma nação, mas concluir dizendo que “um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz.” Alguma dúvida?
Agora vejamos o que o Novo Testamento diz sobre essa nação. Ela nasceria num só dia, e Jesus nasceu num só dia. Ao nascer esse menino, muitos creriam Nele, formando um só povo, isto é, a nação que Pedro chamou de “geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. (1Pedro, 2.9, ênfase acrescentada). Assim, o que surgiu num só dia como profetizado por Isaias foi o Cristo e nele nasceu a Igreja.
Não podemos abrir mão dessa interpretação sob risco de interpretarmos a Escritura de maneira completamente descontextualizada. Por hora é o que precisamos compreender.

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terça-feira, 29 de outubro de 2019

TRÉPLICA DE “UM PASTOR EVANGÉLICO CHAMADO MAGNO PAGANELLI”


Uma resposta aos meus leitores

Diz o antigo ditado que “quem tem amigo não morre pagão”. Eu o parafrasearia assim: “quem é amigo do rabi Yehuda Hochman, como o prof. Franklin, não fica sem textos”, mesmo que os textos não respondam as questões importantes. Recorrer ao auxílio do rabino Hochman ajudou a dar ares de erudição, pelo que o prof. Franklin foi bastante elogiado por seus seguidores (alguns irônicos, mas que claramente não leram ou não compreenderam o meu texto).
Vi na resposta dada a mim uma intensa cortina de fumaça para os leitores. Nenhuma questão relevante do tema do conflito em si foi abordada. Ao contrário, sem saber a distinção entre um ensaio e um artigo científico ele cobrou precisão onde eu generalizei (o que é tolerável em um ensaio), mas passou de largo – ignorou de fato, onde deveria ser rigoroso. Esse recurso dele eu já havia apontado no meu texto anterior, quando escrevi: “[...] cobrança feita ao prof. Chapman, de que apresentasse Jesus como a solução para o conflito”. Ele concentrou-se e insistiu nas questões periféricas, além de distorcer minhas palavras. Por exemplo, ao citar o Líbano como uma possível democracia segundo os supostos critérios dele, eu não elogiei nem afirmei que aquele país é uma “democracia exemplar” (ele deveria ler o texto com boa vontade). Do mesmo modo, quando eu disse que a maior comunidade étnica de cristãos está no Egito, os coptas, não equivale, nem de longe, a elogiar o Egito por nada! Esse recurso da distorção deve funcionar bem com os leitores dele, mas não deu certo comigo.
Não vou estender a discussão, porque me senti bastante desrespeitado e embora não esperasse algo melhor, dei a ele o benefício da dúvida. Mas o nível não foi o que esperava. Desse modo, três pontos precisam de uma resposta.
O primeiro é periférico – mas largamente explorado na sua réplica, foi a afirmação generalizada que fiz sobre a aliança do novo Estado de Israel com a União Soviética. Ele (ou o rabino ghostwriter) negou haver essa aliança, mas confirmou que Israel comprava armas contrabandeadas da Thecoslováquia. Ora, em 1948 a Thecoslováquia se tornou um satélite da URSS, com regime comunista e tudo. Qual a novidade aqui? E qual o meu propósito ao escrever isso? Precisão histórica? Não, como eu disse, escrevi um ensaio. O que pretendi, mas ele se desviou do problema real do meu texto, foi mostrar ao prof. Franklin que nas questões ligadas a Israel ele não se importa com o regime político vigente. Já no Brasil, ao contrário, ele tem se esforçado para parecer um firme defensor da democracia de direita contra o socialismo. Qual o critério, afinal? Com isso, ele coou um mosquito e deixou passar alguns camelos, como segue.
No texto notei um autor que gosta de estatísticas ao reclamar que usei dois parágrafos apresentando minhas credenciais acadêmicas. Ele debochou, desconsiderou e fez chacota com isso. Mas foi preciso apresentar-me, haja vista eu não circular frequentemente em seminários e congressos como ele. Na academia costuma-se apresentar credenciais antes de uma intervenção, e foi o que fiz. Qual a surpresa? Mas ele (ou o rabino?) não se furtou escrever quatro longos parágrafos defendendo o indefensável e se gabando de algo que, como cristão (à exceção do rabino), não deveria se vangloriar: que os grupos “de resistência” que apresentei, formados à revelia dos britânicos mandatários, além de Jabotinsky, serem todos como “soldados da paz”. Terroristas são sempre os outros, né? Ainda hoje é assim.
As minhas afirmações sobre esses grupos e sobre Jabotinsky podem ser conferidas na obra de Antonius H. J. Gunneweg, História de Israel. As informações dadas pelo prof. Franklin têm como fonte de pesquisa o rabi Yehuda Hochman. Há norma ABNT para arrolar isso nas referências? Eu sugeri no texto anterior que procurasse a definição de “terrorismo de Estado” ou “terrorismo do alto”, mas não houve a menor consideração nem boa vontade sobre os pontos centrais do meu texto. Não se pretendeu construir um diálogo, apenas zombar, desmerecer, desqualificar. Sugiro, então, ler o manifesto de 1923, de Jabotinsky, mas fazer isso com uma lente cristã, não belicosa nem parcial, e refletir sobre o texto [1]. Os cristãos palestinos foram atingidos pelo amplo estabelecimento dos judeus na região e por terem de sujeitar a estes o controle de seus lugares sagrados [2].
Por que não dar ouvidos às reinvindicações de nossos irmãos na fé? Qual resposta foi dada aos cristãos palestinos? Eles são “menos cristãos” por terem nascido naquela região? E os árabes do mesmo modo? Isso não é preconceito? Cristo ou Paulo ou qualquer outro autor do Novo Testamento estimulam segregação dessa ordem? Na réplica, o que o prof. Franklin disse sobre os oito pontos que depõem contra o “mito da única democracia no Oriente Médio”? Silêncio.
O prof. Franklin reclamou que não respondi a nenhuma das perguntas sobre a Palestina e disse “simplificar” pedindo que que eu informasse “quando e onde existiu um país árabe chamado Palestina, e quais eram suas fronteiras e sua bandeira antes de 1948? E por que a Jordânia dominou a Cisjordânia e metade de Jerusalém durante 19 anos (1948-1967) e não fundou na época um estado palestino?”. Na verdade a resposta está dada no texto e, novamente, ele me acusa de má vontade, mas por seu turno repete a má vontade de refletir sobre as consequências do que escrevi (ele ou o rabino amigo seu). Mas eu explico melhor, repetindo a citação de Truzzi.
As relações sociais no Oriente Médio não são iguais às da Europa no mesmo período. Fronteiras rigorosamente delimitadas criando “Estados soberanos coexistentes, mas em competição” (Ferguson, 2018, p. 111), é fruto da Paz de Augsburgo, reafirmada pela Paz de Vestfália um século depois. O que marcava os territórios entre diferentes etnias árabes não era o mesmo modelo nem o rigor europeu nessas questões. É anacrônico fazer tais exigências ou mesmo comparações. E é completamente descabido cobrar de uma cultura os mesmos aspectos e especificidades de outra. Quando o prof. Franklin exige que palestinos e/ou jordanianos apresentem bandeira, certidão de nascimento etc., ele requer desses povos um modelo social, jurídico, econômico e político estranho aos seus costumes e tradições. Os judeus migrados para a Palestina sim, tinham essa noção, porque vinham da Europa. Esse é um dos (muitos) motivos do conflito: segregação de povos que estavam estabelecidos há bastante tempo num território mais amplo com sua cultura própria. Mesmo assim, diante da presença dos judeus se ampliando, os árabes instavam o estabelecimento de um governo democrático e a entrada como membro pleno da Liga das Nações desde dois anos antes da fundação do Estado de Israel (v. n. [2])
Assim, respondendo às oito perguntas sobre a Palestina no texto anterior escrito por ele, temos: “(1) quando foi fundado, e por quem?”: modelos tribais étnicos arcaicos não exigem fundação oficial nem cerimonial; os povos estavam lá  e isso bastava. “(2) quais eram suas fronteiras?”: eram estabelecidas por acordos informais, assim como os vemos, por exemplo, no Antigo Testamento (estou fazendo uma generalização para efeitos comparativos!). “(3) qual era sua capital?”: uma pergunta que não faz sentido dentro do modelo em vigor. É como perguntar qual a capital dos Tupinambás? Qual a Capital dos Navajos? “(4) como se chamavam suas principais cidades?”: se ler a minha tese (2018) sobre o turismo evangélico para a região poderá conferir o nome de algumas cidades, inclusive aprender sobre o comércio, turismo, cotidiano, rotas ferroviárias etc. na Palestina do período. “(5) quais eram suas bases econômicas?”: agrícola, comércio e turismo na virada para o século XX. “(6) quais eram suas formas de governo?”: Otomano até o final da Guerra e Mandato Britânico após ela. “(7) quem eram seus líderes antes do egípcio Yasser Arafat?”: está reconhecendo haver um líder! Então fica subentendido existir um povo, uma cultura e tudo o que negou anteriormente. “(8) que idioma falavam?”: é preciso responder a isso? Quem não sabe ter sido o árabe? Aí estão as oito respostas que eu havia dito serem respondidas, desde que se lesse o texto com boa vontade.

Reafirmo: considero ser desumano e nada cristão negar a um povo a sua identidade, e mais, o direito de defender a sua existência. Em relação aos judeus, chamam isso de antissemitismo; e em relação aos palestinos? Qual o critério do prof. Franklin nessa questão que envolve vida humanas acima de tudo e de cristãos por consequência? Em sociologia isso chama-se genocídio, mas o prof. Franklin, apoiado pelo amigo rabino, insiste na tecla do antissemitismo sem que ele faça uma autocrítica sobre as consequências do posicionamento que assume. Como mencionei, um judeu criou um jornal à época chamado The Palestine Post! Não havia “Palestina”? A Organização Sionista tinha um órgão chamado Anglo-Palestine Company, fundada em Jafa em 1903 pelo Jewish Colonial Trust, de Londres, iniciado por Herzl. Não havia “Palestina”? (Gunneweg, 2005, p. 326).
Lamentavelmente tive de ler esse texto e continuo desejando que nós, cristãos, olhemos para as questões do conflito, bem como para todas as demais questões para as quais somos arrastados, com um olhar de reconciliação (como destaquei no texto anterior). O que vamos dizer aos cristãos palestinos e às famílias palestinas pelo apoio a um Estado (qualquer que seja) e a uma ideologia? Que mensagem temos passado com essa atitude? Como ficam os povos árabes dentro do cenário das missões cristãs? Nós optamos aleatoriamente por riscá-los do mapa? Como cristão, eu não fui chamado para ter razão nem para dar a resposta final a nenhuma questão, e não espero que o prof. Franklin passe a mão na minha cabeça pelo que escrevi. De minha parte, está clara a minha perspectiva sobre o tema e o meu desgosto por não ter encontrado um interlocutor habituado ao diálogo.

Notas
[1] The Iron Wall: colonisation of Palestina: Agreement with Arabs Impossible at presente. – Zionismo must go forward. Originally published in russian under the title: O Zheleznoi Stene in Rassvyet, 4 november 1923. Também poder ler o livro que expõe esse plano em “A Muralha de Ferro – Israel e o mundo árabe”, do judeu iraquiano Avi Schlaim.
[2] Veja o ponto 6 no texto Teh Arab Case for palestine: Evidence Submited by the Arab Office, Jerusalém, to the Anglo-American Committee of inquiry, march, 1946. The Problem of Palestine. Para a arguição pela entrada como membro pleno da “ONU”, veja ponto 9.
FERGUSON, Niall. A praça e a torre. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.
GUNNEWEG, Antonius H. J. História de Israel, dos primórdios até Bar Kochba e de Theodor Herzl até os nossos dias. São Paulo: Teológica, 2005.


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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Revisão do texto “Resposta a Colin Chapman: a propósito de sua réplica à resenha do livro ‘De quem é a terra santa?’”, do prof. Franklin Ferreira.


por Magno Paganelli



Nestes últimos meses, venho acompanhando as argumentações e contra-argumentações em torno da obra de Colin Chapman, “De quem é a Terra Santa?” (Ultimato, 2017). Trata-se de um calhamaço perto de quinhentas páginas. Infelizmente não a li, mas, a julgar pela resenha [1], réplica [2] e tréplica [3], e sendo especialista na questão do conflito entre os Estados de Israel e da Palestina (sim, a Palestina é um Estado reconhecido por pelo menos 138 países na ONU), posso situar a posição clara de ambos os analistas.
Primeiramente, permita o leitor que eu me apresente. Sou pastor pentecostal. Há mais de dez anos, estudo o Islã. Inicialmente, a partir da perspectiva cristã, tendo publicado obra e orientado dissertação no campo da Teologia, sobre o aspecto escatológico daquela fé, em confronto com a perspectiva evangélica.
Em 2014, obtive o mestrado em Ciências da Religião, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com a tese, aprovada com distinção, “A relação entre a violência do Hamas e a interpretação do Corão”, dissertando sobre o referido conflito. Tão logo concluído o mestrado, dei início ao doutorado em História Social, na Universidade de São Paulo (USP), numa pesquisa orientada pelo prof. Dr. Peter R. Demant, holandês, de ascendência judaica, sionista, cuja mãe sofrera os horrores dos campos de concentração. O prof. Demant fez o seu doutoramento em que defende tese sobre a formação dos assentamentos judaicos, nos territórios palestinos. Trabalhou durante dez anos, nos processos de paz, tendo morado em Israel. Desse modo, posso afirmar que estou em boa companhia, e com sólida trajetória que garantem a minha intromissão na referida questão.
Pois bem. A minha posição sobre o tal conflito é pública, embora haja alguns, que, fazendo-se especialistas, a tenham confundido diversas vezes, sem que eu tenha me manifestado. Neste texto, quero, tão somente, destacar alguns pontos que julgo prejudiciais ao público evangélico, os quais se encontram no texto mais recente do prof. Franklin Ferreira. Ferreira é especialista em Teologia Sistemática e parece estar bem preparado, dentro da sua cosmovisão calvinista, para debater a sua matéria. Mas, como muitos outros que publicam suas opiniões sobre o conflito israelo-palestino (IP), faz uma leitura meramente “recortada” e visivelmente incompleta dessa questão, para não dizer parcial. Senão, vejamos.
No ponto “1”, Franklin Ferreira diz que os palestinos se distinguem dos demais povos árabes, pelo simples fato de falarem um dialeto local, que era variante do árabe falado em outras regiões do Oriente Médio. Para reforçar seu argumento, vale-se de uma nota, escrita por Khaled Abu Toameh, que afirma serem os palestinos um “infortúnio a qualquer [povo] que os acolha”. O jornalista Khaled Abu Toameh escreve para o The Jerusalém Post, jornal publicado em inglês que, curiosamente, tendo sido fundado em 1932, por um judeu, chamava-se The Palestine Post! E ainda dizem que a Palestina nunca existiu! A questão da língua como elemento identitário precisa ser criteriosamente avaliada. Se o jornalista é tendencioso na avaliação, e, de fato, o é, o argumento esvazia-se. Cito aqui outra perspectiva da questão, extraída de minha pesquisa de mestrado:
“Estou mencionando isso, para falar que a relação daqueles povos entre si é ligeiramente diferente de como europeus e americanos se veem na sua relação com a terra e até mesmo com o clã ou a aldeia. Falando sobre os imigrantes sírios e libaneses, dois autores que publicaram obras no Brasil concordam em que esses povos (que estão geograficamente próximos do espectro da pesquisa) têm em comum uma estrutura apoiada nos valores étnicos ligados a família, a religião e a aldeia (KNOWLTON, 1961, p. 167; TRUZZI, 2005, p. 3). Um deles, Truzzi, não insere o idioma neste tripé, e justifica: “Embora a região territorialmente pertença ao chamado mundo árabe moderno, e seus habitantes efetivamente serem falantes da língua árabe, os sírios e libaneses identificam-se, sobretudo, com a religião professada e com a região ou aldeia de origem, elementos fundadores de suas identidades, muito mais que com o estado-nação, existente para eles na época da emigração. Em consequência, a identidade árabe lhes soa artificial (TRUZZI, 2005, p. 2). Neste sentido, a aldeia é o ponto central onde os valores são passados às gerações e onde há convívio entre duas, três ou até mesmo quatro gerações no mesmo espaço.” (PAGANELLI, 2014, p. 78-79)
Assim, afirmar, como a “Resposta...” faz, que não havia “nenhuma cultura própria, ou características étnicas, ou coisa alguma que definisse os árabes palestinos como diferentes dos árabes da Jordânia, do Egito ou do Líbano” é falacioso. São falaciosas também as questões levantadas sobre ser a Palestina um país; como nega o prof. Franklin. Na verdade, muitos desejariam que a Palestina não fosse um país, mas a coisa não é tão simples assim. Espanta ver como se pode negar a um povo a identidade, a sua história, os seus direitos, a sua própria existência; e, ao mesmo tempo, defender tais direitos para outro povo, em detrimento daquele! A resposta dada por Knowlton e Truzzi sobre o idioma, por si, responde às oito perguntas que fez o prof. Franklin e lhe demonstra a má compreensão que tem do mundo e dos povos árabes, colocando-o dependente dos argumentos do pior tipo de sionismo (aqui eu distingo pelo menos oito diferentes tipos de sionismo, o que não cabe como discussão neste momento). No Brasil, esse é assunto de percepção bem simples. Por aqui, é sabido, p.ex., que nordestinos, em geral, não apreciam ser chamados de “baianos”, como muito se faz no Sudeste. Chame-se um argentino de venezuelano e não se esperem elogios por isso. Povos que vivem contiguamente não se distinguem apenas em dialetos, como quis o texto da “Resposta...”; mas, sim, em culturas próprias e características étnicas. Quando estive por três vezes em Israel, Egito, Jordânia e Palestina, pude conferir, pessoalmente, hábitos, culturas, traços étnicos e mesmo linguísticos distintos. Como e por que negar isso?
No ponto “2”, o prof. Franklin reclama o uso da expressão “limpeza étnica”, feito por Chapman. Não sei qual a causa do espanto, já que o termo é usual nas discussões acadêmicas, há anos. Vale ressaltar que essa questão não se inclui na área da Teologia Sistemática; faz parte dos estudos de Sociologia e de História, principalmente. Ele diz: “Quando os exércitos árabes invadiram o terrítório [sic] em disputa nenhum judeu que caiu em suas mãos foi poupado. Todo judeu era considerado um inimigo a ser destruído.” Todavia, logo em seguida, acusa Chapman da seguinte maneira, quando mostra o outro lado da guerra: “Mas ele parece não levar em conta que a guerra não é um piquenique organizado, nem um seminário de boas maneiras, e parece esquecer o fato de que esta foi uma guerra iniciada pelos países árabes.” Prof. Franklin, queremos entender as razões por que seu argumento usa critérios tão diametralmente opostos para defender seu posicionamento, e criticar o oponente! Esperava que árabes fossem condescendentes com judeus, em plena guerra, e que judeus poderiam e deveriam massacrar os centenários moradores daquelas terras palestinas sem contestação?
Segue-se um parágrafo igualmente curioso. Ele diz: “E houve casos nos quais os árabes de aldeias ou região foram expulsos ou mortos em combate, como em Balad al-Shaykh e Deir Yassin, por tropas do Irgun e do Palmach – e não “pelos judeus”, como o autor afirma.” O prof. Franklin desconhece que essas “tropas” eram formadas por judeus? Isso é muito estranho! Muita gente desconhece os três grupos terroristas que judeus criaram, entre 1920 e 1940. O primeiro deles foi o Corpo de Muleiros de Sião, formado em 1920, por Wladimir Jabotinsky, famoso guerrilheiro judeu-russo. Esse Corpo de Muleiros apoiava tropas aliadas. Mais tarde, deu origem a Haganá, de onde nasceu o exército de Israel (que, assim, nasceu de um grupo terrorista). O segundo foi formado no final dos anos 1930, o Irgun, que servia para proteger (e fazer resistência, como se diz hoje) os judeus colonos que criavam os primeiros assentamentos nos territórios que passaram a ocupar. O Irgun atacava tanto árabes quando britânicos, os mesmos britânicos que autorizaram os judeus da Europa a irem para a Palestina controlada pelo Mandato Britânico. O Irgun judeu cometeu atentado contra o quartel-general inglês, causando inúmeras vítimas judias e árabes; o mesmo prédio onde, hoje, funciona o Hotel King David. O terceiro grupo foi formado em 1940, o Lehi (Guerreiros da Liberdade de Israel), ou Grupo Stern (ou Gang Stern), foi criado por Abraham Stern. Eles assassinaram o Duque Bernadotte, inglês, porque ele se opôs, com a Liga Árabe/ONU, aos objetivos sionistas. O Lehi era tão, ou mais, violento que o Irgun. Assassinaram também o primeiro ministro britânico do Oriente Próximo, Lorde Moyne.
Os três grupos agiam clandestinamente, não foram reconhecidos pelos britânicos, os quais eram os mandatários na região, conforme a divisão feita com a França, após a guerra. Quando alguém diz que os palestinos são terroristas e não têm legitimidade, é preciso explicar como fica o caso dos judeus, como esses dos três grupos, igualmente terroristas, que faziam resistência (ou “proteção”), como a ala militar do Hamas faz hoje (o Hamas é mais complexo do que simplesmente um grupo terrorista). Não podemos adotar dois pesos e duas medidas nessas questões; nem como cristãos, nem como especialistas no conflito.
Menachem Begin transitava entre dois desses grupos. Depois se tornou o sexto primeiro-ministro de Israel, em maio de 1977; recebeu o Nobel da Paz, assim como o egípcio Yasser Arafat, o “grande líder do povo palestino”. Ironia da História.
Observando-se a perspectiva histórica (o prof. Franklin é graduado na disciplina), a OLP e o Fatah de Arafat (“antigamente” terroristas) e o Irgun (por exemplo), também terrorista, vê-se que todos “mudaram” o comportamento. O Irgun forneceu seus membros ao que hoje é o Partido Likud, de outro soldado, o falecido Ariel Sharon, e de Benjamin Netanyahu. O Likud é hoje “legítimo”, não é?! Assim, historicamente, antigos terroristas transmutam-se em partidos políticos, quando suas causas são legítimas (e nacionalistas).
O autor insiste em que judeus sofreram “limpeza étnica” nos países árabes, à qual chama antissemitismo, termo criado pelo judeu Michael Barenbaum. Esse ponto mereceria tratamento mais longo; então, a sua simplificação autoriza a minha simplificação, que faço da seguinte maneira. Primeiro, não devemos alimentar o chamado “genocídio cultural”, que é a guerra travada por ambos os lados, na tentativa de apagar todo e qualquer vestígio histórico, cultural, linguístico e arqueológico que demonstre a antiguidade do outro povo na terra. Nós, cristãos, sabemos muito bem que árabes e hebreus provêm do mesmo tronco linguístico semita. Tanto um quanto outro têm promessa do Senhor Deus de que seriam povos numerosos (cf. Gênesis). Reforçar a ideia equivocada de que o árabe é antissemita é o mesmo que insistir em um discurso unilateral; é um erro histórico que só beneficia um lado, o judeu, pois faz parecer que somente os judeus são representantes do semitismo, quando há muitos povos na mesma condição.
Nessa esteira, cabe destacar que a crítica feita à política adotada pelo governo de um país não expressa o desejo nem o esforço pelo extermínio daquele que é criticado. A má interpretação tem sido feita à exaustão por sionistas e simpatizantes do atual estado das coisas, como é o caso dos neopentecostais. Contestar governos como aqueles de Lula e Dilma, ou criticar o de Bolsonaro, equivale a desejar o extermínio dos brasileiros? Acredito que o prof. Franklin não pense assim. E se pensa, espero não ter que discutir novamente essa questão, já que fugirá à minha área de formação e não me sentiria confortável para discutir ocorrências em campos para os quais não fui preparado.
Segundo, se vamos falar de genocídio, os dados oficiais disponíveis dão o seguinte quadro, que o leitor pode avaliar com facilidade. Reproduzo texto de um livro meu:
“Era um grupo pequeno [judeus cabalistas], que atraíra apenas 9 mil dos 175 mil judeus residentes na Palestina nos anos de 1920 (Armstrong, p. 276-277). [Edward] Said também aponta números precisos em período anterior a isso: ‘Segundo fontes israelenses, não havia mais do que 24 mil judeus na Palestina em 1822, menos de 10% da população total, majoritariamente árabe” (p. 10). Para os anos mais recentes, Said aponta: ‘[...] em 1931 a população judaica era de 174.606 pessoas entre um total de 1.033.314; em 1936 o número de judeus subiu para 384.078 entre 1.366.692; e em 1946 eles eram 608.225 numa população de 1.912.112” (The Anglo-Palestine Yearbook 1947-8, p. 33, apud Said p. 13).’.” (PAGANELLI, 2014, p. 88).
Que houve entre um século e outro? Sugiro assistir aos documentários With God on Our Side, dirigido por Porter Speakerman, e The Lab, dirigido por Yotam Feldman. Este mostra como Israel fatura milhões de dólares com os recorrentes conflitos e massacres nos territórios palestinos e desenvolve sua máquina de guerra, incrementando o PIB com a exportação de todo tipo de equipamento. É simplesmente revoltante e, como cristão, devo recursar o apoio a qualquer ação dessa natureza, estando Israel em condições de sobreviver e enriquecer de muitas outras formas, todavia, não com a morte de civis inocentes.
Para finalizar este longo ponto “2”, o velho mito de Israel ser a única democracia no Oriente Médio. Quem ainda acredita nisso? Quem acredita em propaganda enganosa. E quem se beneficia dessa falácia? O que se entende por democracia? Partidos e eleições? O Irã também tem isso. O Líbano, com população de pouco mais de 4 milhões de habitantes, é o único país do Oriente Médio, onde os cristãos já dominaram e retêm poder político considerável. A Constituição do Líbano determina que o presidente seja sempre cristão, e o primeiro ministro muçulmano sunita, com o parlamento xiita. Lá, a maior igreja é a Igreja maronita, que traça suas origens para um eremita sírio, do século IV, São Marão. Aquela Igreja uniu-se à Igreja Católica em 1736, apesar de manter suas próprias tradições e práticas. A Igreja Ortodoxa Grega também é forte no Líbano, e existe uma grande variedade de outras denominações; a maioria dos grupos religiosos opera livremente, e entre esses estão os cristãos armênios.
A Igreja Copta Ortodoxa do Egito é, provavelmente, o maior grupo étnico-religioso não muçulmano do Oriente Médio. Sua liturgia é realizada em copta, uma versão cristã da antiga língua egípcia. Qual é a equivalente em Israel? Onde os cristãos, em Israel, desfrutam status similar na Terra Santa (supostamente democrática)? Quando os cristãos palestinos são expulsos de seus territórios, têm os impostos de suas igrejas elevados; suas igrejas fechadas e sua agricultura continuamente devastava pelo exército de Israel. O Hamas não esconde armas embaixo da lavoura palestina; por que, então, os soldados de Israel repetidamente destroem as oliveiras da agricultura familiar? É isso que se entende por democracia? O prof. Franklin deveria investigar o que é chamado nos estudos do gênero de “terrorismo de Estado” ou “terrorismo do alto”. As comunidades cristãs na Cisjordânia e Gaza têm-se reduzido durante várias décadas, por causa do conflito com Israel, além do declínio econômico e das baixas taxas de natalidade. [4]
Para os pesquisadores do conflito IP, é consenso que melhor se caracterize Israel não como democracia, mas como uma “etnocracia”. Motivos não faltam. Cito alguns.
1. A lei de nacionalidade (“o estado-nação do povo judeu”), proposta que procura definir o caráter do Estado, por meio de legislação de estilo constitucional que não garante os direitos humanos a todos os cidadãos do país, entre esses o direito à igualdade, o direito à língua, à cultura e aos direitos das minorias. O projeto de lei proposto consagra a segregação racial na habitação e mina os direitos de um quinto dos cidadãos do país à sua língua (árabes), cultura e identidade.[5]
2. Lei de Regularização, destinada a autorizar o estabelecimento de assentamentos em terras privadas palestinas, está agora sob deliberação da Suprema Corte.[6]
3. Segregação dos árabes e palestinos. Isso inclui vias, transporte e trânsito dessa população separada da população israelense. Além disso, que democracia regulamenta o controle aéreo, terrestre, de fornecimento de bens, e o desvio de água e energia de uma parte da população?
4. Casamentos mistos proibidos. Questões religiosas são assuntos de Estado e a própria polícia intervém, como parte do mecanismo de controle. Veja-se o caso do casamento misto, realizado pelo rabino conservador Dov Haiyun, da comunidade Moriah em Haifa. “Hoje, Israel é uma das únicas democracias do mundo onde todos os cidadãos são obrigados a se casar e se divorciar em uma estrutura religiosa, mesmo que sejam ateus. Eles não podem se casar fora de sua comunidade religiosa, o que significa, por exemplo, que um cristão árabe não pode se casar com um muçulmano árabe em Israel. Qualquer um que queira um casamento civil deve se casar no exterior, e só então o Ministério do Interior de Israel registrará o indivíduo como casado de acordo com a certidão de casamento estrangeira.” [7] A Declaração de Independência de Israel afirmou que o Estado de Israel “garantirá a completa igualdade de direitos sociais e políticos a todos os seus habitantes, independentemente de religião, raça ou sexo”, mas atualmente isso não funciona. 
Além disso, casamentos e divórcios são decididos por um tribunal rabínico, i.é., religioso. Há apenas um país “democrático” em todo o mundo em que toda a legislação relativa ao casamento e ao divórcio se baseia na lei religiosa. Esse país é Israel. Em Israel, apenas os tribunais religiosos determinam o estado civil; somente tribunais rabínicos podem validar casamentos ou divórcios judeus. Mas os casais que se divorciam podem escolher entre um tribunal religioso ou civil para a divisão de bens e o tribunal abordado primeiro decidirá no caso.[8]
5. Expropriação de terras. Em 27 de novembro de 2018, Israel expropriou quase 70 acres de terras palestinas do Patriarcado Latino de Jerusalém, pertencentes a Igreja Católica, no Vale do Jordão e Cisjordânia, sob desculpas de serem “por razões de segurança”.[9]
6. Israel impede cristãos de Gaza de viajar para locais sagrados em Belém e Jerusalém. Permite apenas 200 cristãos acima de 55 anos irem para a Jordânia: uma violação do direito de ir e vir.[10]
7. Israel permite à indústria farmacêutica realizar testes em palestinos e árabes em suas prisões, tal como o documentário The Lab denuncia testes com armas em população palestina para que desenvolvam sua indústria bélica.[11]
8. Israel vende armas a regimes desprezíveis, acusados de crimes de guerra. O respeito pelos princípios da democracia liberal, direitos humanos e moralidade universal não teve lugar na escola de governo de Netanyahu.[12]
Acredito, sinceramente, que o conceito de “democracia” do prof. Franklin não se assemelhe ao que relatei aqui; eu poderia ir além com esses tópicos. Acontece que a propaganda sionista, especialmente a que circula no seio da igreja (notadamente a neopentecostal), não considera a observação mais aproximada da realidade dos fatos. Ela tem comprado a propaganda estatal por inteiro. Se o conceito de democracia se configura tão frágil, até mesmo o Irã poderia ser enquadrado nele, haja vista existirem por lá, partidos políticos e uma porcentagem de cadeiras reservadas à comunidade judaica. Muitos, no Brasil, desconhecem tal realidade. Enquanto isso, o Hamas palestino, que já realizava ações sociais e oferecia serviços básicos à população, se desenvolveu para partido político (tal qual o Likud de Netanyahu) e venceu eleições em 2005, alcançando prestígio como negociador legítimo no cenário internacional (sobre isso, há anos escrevi artigo [13]).
Ao ponto “3”. O prof. Franklin começa afirmando: “Dizer que ‘os britânicos demostraram mais simpatia com a causa dos judeus que para com os árabes’ não corresponde aos fatos”.  Sim, corresponde! Os britânicos jogaram nos dois lados, prometendo alianças em duas frentes, judaica e árabe, já que não sabiam em qual delas seus esforços frutificariam. Como é sabido, os árabes foram desprestigiados no final da Primeira Grande Guerra. As promessas dos ingleses, de limites geográficos (fronteiras) para clãs árabes na Península Árabe, só para ficar em um exemplo, não se concretizaram. Por outro lado, os judeus alcançaram seus objetivos, como hoje está comprovado. E os judeus (privilegiados pelos ingleses), quando foram privados de manter ondas de migração para a Palestina, realizaram um atentado terrorista no Hotel King David, em Jerusalém, como já relatei.
Sobre o prof. Franklin chamar Vladimir Jabotinsky de protetor dos judeus, dá-me uma sensação, confesso, que me deixa bastante surpreso. Ver um pensador que pública e confessadamente é de direita no Brasil, defender um ex-terrorista soviético é impressionante! Mas, “em parte”, entendo-o, pois eu mesmo, sendo mais simpático ao posicionamento de centro-direita no Brasil, tenho sido acusado de “esquerdista” e de “petista”, quando argumento em favor dos palestinos, no campo da Teologia. Nada mais distante da realidade. Sou pró vida humana, de judeus, de árabes, de palestinos também!
No ponto “4”, Chapman novamente é acusado de “memória seletiva”, ao falar de Gamal Abdel Nasser, ex-presidente do Egito. O prof. Franklin diz: “Deve também ser lembrado que Nasser foi outro líder árabe que se associou aos nacional-socialistas alemães durante e até depois da II Guerra”.  Aqui há um anacronismo, haja vista que a opinião internacional não tinha a mesma percepção da História, adotada hoje, e mesmo depois dos fatos. Do contrário, poderíamos mencionar que há estatísticas que dão conta de que mais de 95% do partido comunista soviético chegou a ser formado por judeus o qual, no calor dos acontecimentos, ordenou o genocídio em países do Leste Europeu. Antes de ser aliado dos Estados Unidos (na Guerra de 1967, p. ex.), Israel era aliado da União Soviética e de lá comprava armas, assim como o Egito de Nasser. A propósito de Nasser, que o prof. Franklin liga à menção do nome do aiatolá Ali Khamenei, foi Nasser, que antes da Guerra de 1967, disse que lançaria Israel no mar. Não o fez. Depois dele, Saddat, que o sucedeu na presidência do Egito, fez a paz com Israel, chegando a ir a Jerusalém. De lá para cá, os árabes usam essa frase e os “anti-árabes” (incluindo alguns evangélicos) a usam para dar maior credibilidade ao seu antiarabismo.
Há décadas, há cooperação de governos árabes, como o jordaniano e o egípcio (recentemente o governo saudita!), em várias frentes, com oficiais de Israel. Abdul Fatah Al-Sisi, atual presidente do Egito, em entrevista ao “60 Minutes” recentemente respondeu sobre a estreita cooperação militar do Egito com Israel. Sisi afirmou que seu país tem “uma ampla gama de cooperação com os israelenses”, um reconhecimento potencialmente prejudicial que poderia minar sua popularidade em casa. A natureza dessa cooperação foi ocultada do público egípcio, que há muito tem sido condicionado a acreditar que Israel (um país com o qual o Egito lutou em quatro guerras) é o arqui-inimigo de seu país. [14]
Mas só os árabes querem destruir Israel? Não. Frase por frase, veja o que disse o bem conhecido Ben Guryon (que fez o anúncio da fundação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948). Ele declarou: “Os palestinos devem ir embora desta terra. Precisamos de uma oportunidade para fazer isto, como uma guerra”. Por que o prof. Franklin não menciona isso em sua resenha e na “Resposta...”?
No ponto “5” surge a questão do apartheid, rejeitada veementemente pelo prof. Franklin, que se recusa a admitir a possibilidade de uma comparação com o que ocorreu na África do Sul. Ele também estranha a apelação a uma solução puramente política para o conflito, dizendo ser isso “chocante”. Não é, professor. Sobre o apartheid, eu mesmo já publiquei ensaio, que, aliás, venceu concurso sobre heróis promotores da paz do nosso tempo (“Entre Israel e Palestina poderia haver um Mandela”).[15] Sobre a solução política para o conflito, há que considerar a natureza daquele conflito. Há diversas razões, mas, basicamente, a terra está em jogo. Não é um conflito sobre religião(ões), embora elas sirvam de agravante. Não se pode ir à ONU com a Torah, o Corão ou o Novo Testamento, em mãos e fazer reivindicações. Há Leis internacionais que regulam o cenário político e jurídico, protegem direitos civis e promovem o entendimento entre os povos. Israel é um país laico, embora utilize narrativas religiosas, tanto quanto o Islã, o qual não distingue entre os campos político e religioso. Sendo cristãos, que insistimos e cobramos soluções cristãs, precisamos igualmente apelar a soluções equilibradas. Não estou convencido de que acentuar rivalidades entre grupos que militam a partir de suas visões de mundo esteja alinhado à cobrança feita ao prof. Chapman, de que apresentasse Jesus como a solução para o conflito. Eu acredito em que Jesus seja a melhor resposta a um conflito por terras, uma vez que a Escritura diga que cristãos sejam peregrinos, e o Salmo 24 ensine que a Terra é do Senhor, para que os povos tirem dela o seu sustento.
Concluindo, entendo que a Igreja precisa recorrer e lutar pela teologia da reconciliação, tal qual exposta pelo apóstolo Paulo. Nós a vemos, já na atuação do Espírito Santo, em Atos 8, 9 e 10, quando veio buscar descendentes de Cam, Sem e Jafé. Não fomos chamados para defender ideologias, Estados nem povos, mas para promover a paz e reconciliar pessoas, famílias e nações com o Senhor (Rm 11.15; 2Co 5.17; Ef 2.14-18; Cl 1.19-22; Cl 3.11), independentemente de serem judeus, árabes, africanos, europeus; quem quer que sejam. O Senhor deu-nos, a nós, o ministério da reconciliação. Nada mais nobre! Nada mais que isso.

Notas
[1] Resenha disponível em <https://teologiabrasileira.com.br/a-tentacao-do-antissemitismo/>. [2] Réplica disponível em <https://www.martureo.com.br/liberdade-para-expressar-opinioes-diferentes/>.
[3] Tréplica disponível em <https://teologiabrasileira.com.br/resposta-a-colin-chapman-a-proposito-de-sua-replica-a-resenha-do-livro-de-quem-e-a-terra-santa/>.
[4] A World Christian Database diz que os cristãos palestinos representaram 5,3% da população em 1970, e caíram para menos de metade disso, agora. E eu seria desonesto se não mencionasse o radicalismo islâmico como parte da razão dessa diminuição (além das incursões de Israel no território). Os cristãos estão concentrados nas cidades de Belém e Ramallah. Em Gaza, um pastor, na cidade de Gaza, estima que há apenas 2.000 cristãos entre 1,3 milhões de habitantes da região. As duas maiores igrejas são a ortodoxa e a católica grega, embora as igrejas assíria, armênia ortodoxa e ortodoxa síria, bem como muitas denominações protestantes, também fossem representadas. As relações cristão-muçulmanas são, em grande parte, pacíficas e os cristãos alcançaram altos cargos na Autoridade Palestina, embora alguns cristãos palestinos se queixem de assédio e discriminação. Um cristão foi o Ministro do Turismo no governo do Hamas, quando venceu as eleições em 2005. Durante o Império Otomano (1299-1923), Belém era uma cidade considerada cristã, com quase 100% de população cristã. A Igreja Ortodoxa, seguida da Igreja Católica, Igreja Armênia e Igreja Luterana fizeram a história do local. Mesmo o Império Otomano, sendo muçulmano, seu sistema de milets – grupos não muçulmanos dentro do território – permitia às minorias (principalmente judeus e cristãos) viverem sua fé com certa tranquilidade. Apesar de alguns relatos de conflitos e perseguições, judeus e cristãos viviam na Palestina em melhores condições do que em muitos países europeus. A cidade de Belém, a mais cristã do país, hoje está com 25 mil habitantes. Desses, menos de 20% são cristãos (católicos, ortodoxos, armênios, luteranos, evangélicos em geral). É um dado muito triste, se nos lembrarmos de que, há pouco mais de 100 anos, a cidade contava 100% de cristãos! Em toda a Cisjordânia, há cerca de 80 igrejas (talvez menos hoje), cujo número de membros não chega a 1% da população total, que tem mais de 2 milhões de pessoas. Em Gaza a situação é ainda mais complicada: o número de cristãos, incluindo católicos, ortodoxos e protestantes, não chega a 1.200 pessoas. Entre os protestantes, há ali uma única Igreja Batista.
[5] Disponível em <encurtador.com.br/CDPY6>. E também, hospital (maternidade) em Israel admite prática de segregação <encurtador.com.br/ciR79>.
[6] A maioria judaica no Knesset, o parlamento, pode violar o direito de os legisladores árabes apresentarem projeto de lei para definir Israel como um Estado de todos os seus cidadãos, mesmo que essa seja uma definição aceita por todas as nações democráticas do mundo. No entanto, Israel dificilmente pode ser chamado de democracia, quando essa maioria se recusa a representar milhões de pessoas cujo destino é controlado pelo Estado, para garantir seus direitos. Ao mesmo tempo, muitos judeus em todo o mundo, a maioria deles filiados ao judaísmo liberal, estão tendo dificuldade para definir um Estado ocupante que estabelece assentamentos em terras roubadas como um Estado judeu. Por Akiva Eldar. Disponível em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2018/06/israel-arabs-yuli-edelstein-knesset-jews-nationality-law.html#ixzz5Hpn3pRvq>. Leia mais em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2018/06/israel-arabs-yuli-edelstein-knesset-jews-nationality-law.html#ixzz5HplqKXq2>
[7] Por Yossi Beilin, PhD, serviu em vários cargos no Knesset e em postos do governo israelense, no último dos quais foi ministro da Justiça e Assuntos Religiosos. Disponível em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2018/07/israel-cyprus-marriage-bastard-jewsih-law-conservative.html#ixzz5MML6x12n>.
[8] Disponível em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2018/11/israel-ayelet-shaked-justice-minister-court-conservative.html#ixzz5Y3xFQg1D> e em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2018/11/israel-ayelet-shaked-justice-minister-court-conservative.html#ixzz5Y3wcI1VL>.
[9] Disponível em <https://www.middleeastmonitor.com/20181128-israel-expropriates-almost-70-acres-of-catholic-church-property/>.
[10] Disponível em <https://www.middleeastmonitor.com/20190418-israel-bans-gaza-christians-from-going-to-jerusalem-bethlehem-for-easter/#.XLhc_nH3Tvk.facebook>.
[11] Disponível em <http://www.fepal.org.br/empresas-farmacêuticas-de-israel-testam-medicamentos-em-prisioneiros-palestinos/?fbclid=IwAR1lNs_h76oBTGGO6Bve5mn6xYGT6F2YfGN9uiSyJhzE4gX8ZdzWh5O9N8Q>. No Times of Israel <https://www.timesofisrael.com/hebrew-u-professor-claiming-arms-being-tested-on-kids-doesnt-represent-school/>.
[12] Disponível em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2019/02/israel-hungary-chad-myanmar-benjamin-netanyahu-arms-sale.html#ixzz5fQ1hhxXX> e em <http://www.timesofisrael.com/amid-uproar-israel-halts-arms-sales-to-myanmar-report/>.
[13] Disponível em <encurtador.com.br/mtvX0>.
[14] Disponível em <http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2019/01/egypt-sisi-interview-cbs-outrage-rumor.html#ixzz5cIPEsdeJ>.
[15] In Malala, v. 5, n. 7, abr. 20. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017. Disponível em < http://www.revistas.usp.br/malala/article/view/131660/127945>.

Referências
ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
KNOWLTON, S. C. Sírios e Libaneses: Mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhamb, 1961.
PAGANELLI, Magno. A relação entre a violência do Hamas e a interpretação do Corão [Dissertação em Ciências da Religião]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2014.
PAGANELLI, Magno. Milênio. São Paulo: Arte Editorial, 2014,
SAID, E. W. A questão da Palestina. São Paulo: Ed. Unesp, 2012.

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